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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

A Pretensa Ilusão de Conduzir Bem Um Machado 


Ah, as narrativas que ficaram aportadas no tempo passado. A falta de se poder nutrir dentro da beleza que encanta nessa linguagem quase incauta, não fossem pelos arroubos que causam, penetrando bem fundo no valor íntimo dos nossos anseios, nos fazendo saborear cada parágrafo, uma, duas ou mais vezes, pelo simples afeto de ter de novo, a mesma sensação de estar brindando com esses mesmos versos, uma segunda chance de existir. Ou de coexistir, não em suas estórias, por si muito bem construídas, nem corroborando com vossos personagens em afeto, como aos de Austen, mas sim na triste ilusão de plainar com essa língua, tão pura, imensamente rica, que vai gotejando por meio de passagens insípidas da realeza do passado, transbordando de dentro para fora, como de um ventre para o nosso mundo. Aquela "coisa" que você só sente quando está encantado. O amor de ler, sob a esfera dos cortes certeiros que só um bom machado tem a capacidade de fazer. Hoje podendo meditar melhor, as escolhas feitas, o único arrependimento é o de não ter tido a obrigação de ter entrado em contato com muito mais machados cortantes e de estar mais íntima d'Eça e daquelas histórias contadas com todo aquele apreço singular, que apenas possuíam aqueles que o faziam pelo simples prazer de mostrar um novo perspectivo de um mesmo mundo em que todos estavam vivendo. Não a mesmice, da mesma coisa de todos os dias, nem a melação a que se apregoam as novas empreitadas, menos ainda a prerrogativa das novas ciladas contempladas dos novos tempos. O amor ficou para trás. O símbolo da anarquia sexual, tomou conta de vez, do nosso mercado editorial. Culpar os adeptos desses novos campos? Julgar a decência humana? fantasiar com um mundo mais humano e menos senil? Esse é o mundo mais humano, a que muitos tem se referido e ninguém ainda havia se apercebido de fato do que se tratava. As pessoas querem um mundo mais humano, pois eis que aí o está. Nosso universo como ele é, como as pessoas queriam que ele fosse, mais humano. Porém, não humanizado. Pois para adentrarmos mesmo num estado contemplativo de submersão humanizado, não devemos mais querer ser humanos.  Mas sim pessoas menos humanas e mais ideais. Pessoas mais inspiradas nas lições divinas, angelicais. Menos humanas, pois ser humano é ser normal. É errar todo os dias, mesmo procurando acertar o passo. Agora, buscar ser mais corretos como deuses, senhores de adoração universal, como os santos, feito Assis, isso sim, é uma luta quase inalcançável. O que não quer dizer que devemos parar de lutar. 

Na coluna da querida Fernanda Torres, na Folha de SP, li sobre o novo livro de Silviano Santiago, "Machado". Já não fosse pela satisfação de ler as suas palavras sempre tão ambiguamente transversal, me deu muito mais prazer essa em especial. A forma como ela narra a essência do romance de Santiago, faz não apenas criar expectativas no seu tributo a Machado de Assis, como também a nos inspirar a buscar cada vez mais a leitura nesse horizonte norteador de ideias palpáveis.  
Provavelmente jamais escreveremos como Machado, ilustrando as pilastras que conduzem às ruas, nem tampouco como Queirós, às salas nervosamente privativas ilustradas por vestidos de veludo azul e dorso desnudo. Mas temos ainda a chance de podermos morrer desesperadamente tentando. Tentando construir um mundo onde a burocracia não corrompa a verdadeira arte da escrita. Onde o assombro dos nossos medos não caia na certeza de que esses célebres imortais, tenham ficado apenas no passado. Com a sua linguagem fina, em meio a tantas línguas hoje faladas sem rumo algum. 




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